
Sofia Correia de Barros: “Portugal é Exemplo Mundial na Qualidade do Tratamento de Diálise”
Em entrevista exclusiva ao HealthNews, Sofia Correia de Barros, Presidente da Associação Nacional de Centros de Diálise (ANADIAL), destaca os desafios da literacia em saúde, a importância da prevenção e diagnóstico precoce da doença renal crónica, e faz o balanço das quatro décadas de trabalho da associação, sublinhando a necessidade de inovação e de uma maior valorização do setor em Portugal.
HealthNews (HN) – A maioria dos portugueses (77,5%) já ouviu falar da doença renal crónica, mas desconhece alguns dos principais fatores de risco. Como avalia este nível de conhecimento e que medidas podem ser adotadas para melhorar a literacia sobre esta doença?
Sofia Correia de Barros (SCB) – É positivo que haja um conhecimento, mesmo que insípido, da doença, sendo revelador do muito trabalho que a sociedade portuguesa tem que fazer nesta matéria. A melhoria da literacia sobre a doença passa por um trabalho constante, permanente, em três campos: nas escolas, no que abrangeria todos os níveis e ciclos escolares; nas unidades de saúde familiar; e nos lares de idosos. Deste modo, poderia levar-se informação a diferentes públicos: enquanto pedagogia para os futuros adultos, junto da população adulta e dos mais idosos.
HN – Segundo o inquérito, apenas 24,4% dos inquiridos associam a hipertensão arterial à doença renal crónica, e 27,7% relacionam a obesidade com a doença. Como explica este desconhecimento, considerando que são dois dos principais fatores de risco? Que estratégias estão a ser implementadas para sensibilizar a população?
SCB – Mais uma vez, considero que há uma grande necessidade no investimento na educação. Veja-se o percurso que Portugal fez na área da seleção e separação dos lixos, e da importância que teve ao envolver a comunidade escolar. Também aqui é importante trazer mais informação e o mais cedo possível. Da parte da ANADIAL, há vários anos que, numa vertente totalmente abnegada e voluntária, temos vindo a realizar, com os profissionais (médicos, enfermeiros) dos nossos Associados, sessões de esclarecimento junto de turmas de estudantes. Mais recentemente, em parceria com a Associação Portuguesa de Insuficientes Renais (APIR), promovemos a aprendizagem com a distribuição de um jogo lúdico. A adesão de professores e alunos foi notável, com reações muito positivas, confirmando a correção da nossa estratégia. Ao longo dos anos, e perante os sucessivos governos, temos disponibilizado colaboração, vontade para desenvolver parcerias e iniciativas junto da Tutela, e das entidades públicas. Todavia, até ao momento, não houve interesse de tais dirigentes.
HN – Cerca de 31,6% dos portugueses desconhecem que a doença renal crónica pode ser prevenida. Que mensagens gostaria de transmitir à população sobre a prevenção e a importância de um diagnóstico precoce?
SCB – A doença renal crónica tem cinco estádios, sendo que no último é necessário haver um meio substitutivo da função renal. Dizendo de outro modo, a pessoa, nessa fase, terá que fazer três tratamentos por semana, de cerca de quatro horas cada. Este cenário deveria ser suficiente para a população estar mais atenta aos diversos sinais. A melhor prevenção é adotar e manter uma vida saudável e um rastreio periódico quer aos indicadores de DRC (p.ex. albuminúria) como das doenças que estão na sua base (hipertensão e diabetes). Da parte do diagnóstico, sem dúvida que caberá aos profissionais de saúde familiar, sendo que, diga-se de forma justa, a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) tem realizado um importante trabalho nesta matéria, sensibilizando médicos e demais profissionais.
HN – O estudo revela que 61,3% dos inquiridos não sabem que Portugal é o país europeu com maior prevalência de doentes em terapia substitutiva da função renal. Como interpreta este dado e que iniciativas estão a ser desenvolvidas para combater esta realidade?
SCB – Tal desconhecimento não surpreende e está em consonância com a reduzida literacia da doença. Parece-nos que a realização do estudo é mais um meio para alertar para o peso que os tratamentos trazem para a vida destes doentes e que, como tal, deveriam ter uma maior estrutura de apoio dentro da comunidade. A hemodiálise não é conhecida porque funciona bem e, por isso, não aparece nos jornais. O desconhecimento acaba por ser um reconhecimento (ainda que contraintuitivo) da qualidade do serviço prestado.
Há vários anos, a ANADIAL tem vindo a desenvolver trabalho nesse campo: publicando informação; editando um livro com testemunhos de doentes, que, na primeira pessoa, relatam o que é viver com a doença; editando livros de receitas; indo às escolas; realizando estudos; apoiando iniciativas. Nesta matéria, o trabalho nunca estará terminado, mas o país pode continuar a contar com a ANADIAL.
HN – No âmbito do 40.º aniversário da ANADIAL, que balanço faz destas quatro décadas de trabalho e quais são as principais prioridades da associação para os próximos anos, face aos desafios identificados no estudo?
SCB – O balanço das quatro décadas é extremamente positivo. Destaco alguns marcos que consideramos muito relevantes. De uma realidade em que os portugueses tinham que ir a Espanha realizar o tratamento, passámos para uma rede de Centros de Diálise de grande proximidade (em média 18 minutos) junto das populações que mais necessitam.
A qualidade do tratamento é reconhecidamente como das melhores do mundo, sendo exemplo para outros países. Demonstração disso mesmo é a maior longevidade dos doentes e a crescente redução do índice de mortalidade.
A adoção do chamado “preço compreensivo”, solução totalmente pioneira no mundo e que hoje é analisada e mesmo seguida por alguns países.
A vacinação em tempos COVID, a hemodiálise noturna e mesmo o papel ativo na sociedade em termos de literacia e de prevenção.
Adicionalmente, apesar do não aumento do preço compreensivo, temos mantido todos os esforços para incorporar a inovação no tratamento, como é o caso dos tratamentos HDF.
As prioridades da ANADIAL passam por manter esta posição cimeira no que vai ser determinante para que o poder público reveja o valor do reembolso, à semelhança do que ocorreu com outros cortes do período da troika, recuperando-se o valor inicialmente fixado. Manter também as ações de literacia e prevenção, no que será determinante envolver os Centros Privados de Diálise e criar mecanismos para não se cair na degradação do valor que se vive nos nossos dias.
Entrevista MMM
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