
A Saúde em tempos de instabilidade
Luís Filipe Barreira, Bastonário da Ordem dos Enfermeiros
Portugal enfrenta, novamente, um período de instabilidade política que culminará em eleições legislativas antecipadas no próximo dia 18 de maio. Este cenário, infelizmente, não é novo. Nos últimos anos, assistimos a mudanças governativas que têm afetado diversos setores, especialmente o da Saúde.
Como Bastonário da Ordem dos Enfermeiros, defendo intransigentemente os interesses dos enfermeiros e a garantia de cuidados de saúde de qualidade para todos os portugueses. Embora a Ordem seja apartidária e distante de conflitos político-partidários, não podemos fechar os olhos ao impacto real que a instabilidade política tem sobre o Sistema de Saúde. E, muito menos, num país que, nos últimos dez anos, teve cinco ministros da saúde…
A constante interrupção das políticas públicas, consequência direta das crises políticas frequentes, tem impedido a implementação consistente de estratégias de longo prazo, essenciais à sustentabilidade e melhoria dos serviços. Recorrentemente, muitos projetos importantes são adiados ou abandonados, os recursos são distribuídos de forma ineficiente e os profissionais de saúde são deixados num clima de incerteza que prejudica diretamente a qualidade dos cuidados.
No debate atual sobre o futuro do SNS, destacam-se as divergências sobre os modelos de gestão mais adequados. Alguns defendem uma gestão exclusivamente pública, considerando-a fundamental para salvaguardar o interesse coletivo e garantir o direcionamento justo dos recursos para a melhoria dos serviços e do bem-estar dos cidadãos. Outros propõem parcerias público-privadas (PPP), argumentando que trazem maior eficiência e investimento adicional.
A experiência com as PPP no setor da saúde tem gerado opiniões contraditórias. Se, por um lado, existem estudos que apontam para ganhos claros de eficiência e redução de custos, por outro, não faltam alertas sobre o risco de se colocar o lucro acima da qualidade e da equidade no acesso.
Neste cenário, seria muito útil a criação de um pacto de regime para a área da Saúde, materializado num compromisso suprapartidário que defina linhas orientadoras estáveis e claras para o setor, independentemente das mudanças políticas. Já defendi esta ideia (que está longe de ser uma novidade em democracia) na minha tomada de posse em dezembro de 2023. O Presidente da República, em agosto de 2024, também se referiu a esta necessidade, sublinhando a importância de garantir estabilidade na Saúde, e, em diversas ocasiões, muitos outros stakeholders do setor também avançaram com esta proposta.
A Saúde é um direito fundamental que não pode ficar nem à mercê de disputas políticas, nem refém de ciclos eleitorais. Os portugueses merecem um sistema eficiente e acessível, no qual os profissionais de saúde possam desempenhar as suas funções com dignidade e segurança.
É saudável e democrático que existam opiniões e propostas diferentes para o SNS. No entanto, não é menos importante que, no nosso quadro político, seja possível firmar um acordo sobre os princípios fundamentais e sobre a forma de os implementar. Não deveria ser difícil encontrar uma plataforma de entendimento, já que os discursos políticos, apesar das diferenças, têm demonstrado alguma convergência nos objetivos.
A Saúde não pode continuar a ser vítima da instabilidade nem instrumento de disputas partidárias. Chegou o tempo de construir um compromisso duradouro, capaz de resistir aos ciclos políticos e de colocar, verdadeiramente, as pessoas no centro das decisões.
Apelo a todos os responsáveis políticos que assumam, com coragem e sentido de Estado, um pacto de regime que garanta estabilidade, visão e futuro para a Saúde em Portugal. Espero que na campanha eleitoral que se aproxima possa haver espaço para este debate. Os profissionais de saúde e os cidadãos agradecem.
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