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​Os demónios também mordem a cabeça de Mbappé

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Klose, Ronaldo, Gerd Müller, Just Fontaine e Messi. São os únicos futebolistas que marcaram mais golos do que Kylian Mbappé em Campeonatos do Mundo. Pelé, que participou em quatro Mundiais, soma os mesmos 12 golos do que o galáctico dos galácticos do Real Madrid, que apenas jogou em 2018 e 2022.

O povo português até teve o privilégio de o ver, jovenzinho e sem anúncio do rompimento de pêlos no rosto, no Europeu de sub-19, em 2016. Sim, 11 dias depois de Eder massacrar o orgulho gaulês. Kylian fez dois golos na meia-final contra Portugal, surprise surprise, como em 1984, 2000 e 2006.

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A chegada de Kylian Mbappé ao Real Madrid, hoje com 26 anos, estava há muito anunciada e aparentemente era obrigatória, respeitando assim o legado de Florentino Pérez, o presidente recém-eleito que em 2000 levou Luís Figo para lá, inaugurando um caos no futebol espanhol. Os madridistas precisavam do hollywoodesco futebolista francês? Nem por isso, mas a lógica do Real Madrid é outra.

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Quem agora é lembrado, numa altura em que há muito é questionado o rendimento de Mbappé, é Cristiano Ronaldo. Na ressaca do verão, o maior goleador da história daquele gigante clube disse: “Vamos ver se a mente dele tem clareza, se está boa. E se ele consegue lidar com a pressão, porque o Real Madrid não é o PSG”. Assim mesmo, meio à José Mourinho e o PAOK Salónica.

A verdade é que Kylian Mbappé, que abandonou Paris com 255 golos e 96 assistências em 306 jogos, não tem sido o que se esperava no grupo orientado por Carlo Ancelotti, o técnico da sobrancelha sábia e faladora. Ainda assim, notam-se melhorias no rapaz que foi o segundo jogador da história a fazer um hat-trick na final de um Mundial. O avançado já leva 18 golos na temporada.

Porém, na véspera de mais uma jornada europeia, contra o Red Bull Salzburgo, falou aos jornalistas, na sala da conferência de imprensa, e admitiu o bloqueio e a transformação em curso.

“É mais mental”, confessou. “Tenho de dizer-me que tenho de fazer mais. Estava bem fisicamente e a sentir-me bem com o grupo, mas sabia que tinha de fazer mais. Não vim para jogar mal.” Típico de atleta de elite: implacável com ele próprio.

O velocista e tecnicista e malabarista prometeu que nunca se sentiu tímico e esmagado pela chegada a Madrid. “Mas não podia chegar e dizer ‘ei, tu, passa-me a bola’”, explicou, quase como se falasse sobre o pátio da nova escola e da obrigatória condição de anonimato.

“Aqui temos de jogar sempre bem e estou pronto para fazê-lo”, anunciou. Nos últimos jogos, o francês tem sido mais influente, juntando quatro golos em três jogos.

É quase avassalador perceber que um futebolista desta craveira também sofre com crises de identidade, com sentimentos filhos da timidez e questionamentos nas gavetas do orgulho. O que sentem os jogadores normais? O que sentem os que lutam para não descer de divisão? E os que perdem tantas vezes? Quão famintos estarão os demónios que lhes invadem a alma?

Sobre o outro lado da fama, o tal que cobra e ferra como uma cobra, que chicoteia a serenidade, que atenta contra a saúde mental, a calmaria e o ego obrigatório para sobreviver, Mbappé desvaloriza-o.

“Quando és um jogador como eu, com o que se esperava de mim, é normal que as pessoas falem”, refletiu. “Não é pessoal. Quando jogas bem, falam bem. Quando não jogas bem, falam mal. Sabia que podia mudar a situação e mudei. Estou muito contente por ajudar a equipa. Mudei a minha mentalidade.”

Kylian, um homem que ficou a conhecer a textura do céu e do inferno do Campeonato do Mundo do Qatar, com um hat-trick numa final que perdeu, continua a falar em sonho. Estar no Real Madrid é um sonho. “Cada dia que venho a Valdebebas e tenho a honra de jogar no Bernabéu, sei que vivo um sonho”, diz, desempoeirado do seu lugar perante a instituição.

“Sou feliz desde o primeiro dia, até quando não jogava bem. Jogámos bem agora e temos muito a ganhar com esta segunda parte da temporada.”

Esta noite há Real Madrid-Red Bull Salzburgo, às 20h00, no Santiago Bernabéu.


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