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O jazz “é um meio pouco seguro para as mulheres”. Estamos a assistir a um novo #metoo ou a “sucessões de violência e de abuso”?

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“É muito revoltante ver que estiveram em marcha sucessões de violência e de abuso contra mulheres no jazz”

Beatriz Nunes, professora no Hot Clube Portugal e investigadora em questões de género e jazz, ficou “completamente perturbada” com a dimensão das denúncias que surgiram depois da acusação de Liliana contra o pianista, que acredita “é de uma violência enorme”.

Para a investigadora de doutoramento, o pior foi “perceber todo o encadeamento de denúncias” que surgiram “de uma pessoa que era nosso colega, com quem convivemos, que faz parte do nosso meio”.

Afinal, explica à Renascença, o jazz é “um contexto dominantemente masculino”, em que “as mulheres são uma minoria”. Mesmo quando comparado com outras artes performativas, o jazz foi “historicamente marcado por valores muito vincados de masculinidade e de heterossexualidade”, que o torna num espaço “pouco seguro para as mulheres”, acrescenta Beatriz Nunes.

Joana Carvalho, diretora do Laboratório para o Comportamento e Saúde Sexual (SexBeHealth) da Universidade de Aveiro, defende, contudo, que esta não é uma característica exclusiva do jazz.

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A especialista em comportamento e saúde sexual lembra que “qualquer meio profissional de relevo” é “tutelado por relações de poder de tal maneira instituídas” que “o exercício do poder para fins sexuais é aceite e até valorizado, romantizado ou glamourizado”. Neste sentido, há uma educação “no sentido da legitimidade” destes comportamentos.

“A violência sexual existe em grande número, não apenas porque existem agressores, mas também porque o tecido social aceita esta forma de violência.”

Beatriz Nunes, também música profissional, acredita que a conivência é uma parte tão fundamental desta cultura como as dinâmicas perpetuadas pelos próprios abusadores, especialmente considerando que o jazz português é “um contexto musical muito pequenino” em que “toda a gente se conhece”.

Para a investigadora é natural, por isso, que existam denúncias anónimas. A pequena rede de conexões leva a um aumento de “cumplicidades” e de “dependência de poderes”, em que algumas mulheres acabam por estar “em posições demasiado frágeis para poderem dar o nome, com medo de repercussões que isso possa ter na sua carreira”. Afinal, o pior cenário é não ter concertos marcados, discos lançados ou trabalhos divulgados. Num mundo em que praticamente todo o trabalho é precário, “o risco para mulheres que queiram fazer denúncias é enorme”, sublinha Beatriz Nunes. Nestes casos, a vítima acaba por arcar com as consequências dos abusos que sofreu, que extrapolam o abuso em si.

É por isso que Joana Carvalho acredita que em nenhum outro tipo de violência e tipo de crime se encontra “tanta desculpabilização das pessoas agressoras, e tanta responsabilização atribuída às vítimas”, como nos casos de assédio e de abuso sexual.

“Mulheres e crianças como seres de plenos direitos, e não mera propriedade”

Em 1989, 20 mil cassetes com vídeos de cariz pornográfico revelaram que o arquiteto Tomás Taveira tinha filmado, sem consentimento, relações sexuais, com várias mulheres, inclusive suas alunas. Depois da divulgação das imagens – também sem conhecimento do arquiteto – e da apreensão, por parte das autoridades, de quase todos os exemplares, o então primeiro-ministro, Cavaco Silva, declarou que esta tinha sido uma “campanha preparada e dirigida contra membros do governo português e suas famílias”, já que havia rumores de que algumas das mulheres gravadas eram casadas com altos funcionários do Executivo.


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